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Opinião:  A Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo

Por Fernando Ramos, Advogado Associado da Kausa Advogados

Educai as crianças para que não seja necessário punir os adultos.”

Pitágoras.

 A Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJ)

Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro, com a redacção dada pela Lei n.º 23/2023, de 25/05.

 Breve reflexão

 A 20 de Novembro de 1959, após a promulgação da Declaração dos Direitos das Crianças, dá-se início, por parte de alguns profissionais na área e de alguns académicos, ao processo de estudo e tratamento de crianças vitimas de violência (doméstica, escolar ou outra), direccionando o seu mister com particular ênfase para a sua integração na sociedade resguardando-as, com as medidas de protecção e acolhimento então encontradas, de maus tratos de toda a natureza onde se incluíam, também, e ainda incluem, os causados por via do trabalho infantil a que pais sujeitavam e ainda hoje sujeitam os seus filhos.

A 26 de Janeiro de 1990, 31 anos depois, a Declaração dos Direitos das Crianças é adoptada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas e ratificada por 192 países, entre os quais Portugal. Em boa verdade, e recuando um pouco, já com a implantação da República se havia criado legislação (1911), que visava a proteção das crianças e dos jovens materializada por uma justiça assente no jus positivismo, mas pouco humanista no sentido da análise caso a caso, tendo-se resguardado num assistencialismo paternalista de patrocínio e controlo estatal.


Imagem criada através de Inteligência Artificial (DALL-E 2)

Com a evolução dos tempos e a consequente emancipação das mulheres, as quais chegaram a profissões onde a maioria masculina era predominante, houve lugar a uma perda  do medo e vergonha sociais assentes no silêncio cúmplice, materializando-se desde logo pela perda da obediência ao “homem da casa”, dando lugar a uma mudança de mentalidades favorecedora de alterações legislativas humanistas, pese embora seja uma tarefa ainda hoje incompleta e carente de estudos mais aprofundados, mas que já nos permitem afirmar que as crianças e os jovens de hoje estão, por um lado, mais protegidos, mas por outro ainda estão “encurralados” no medo da perda de um progenitor por via de uma decisão judicial em face do disposto legalmente.

Pese embora a lei consagre um maior direito à criança e ao jovem de participar nos assuntos que lhes digam respeito, deixando de ser consideradas sujeitos de menor intervenção, o que é facto é que quando essas crianças são confrontadas com a expectativa da perda de contacto com um dos progenitores ou com a imposição judicial de restrições de visita, muitas vezes recuam nas afirmações já prestadas, protegendo o violentador, tudo por via da absoluta ineficácia imediata de actuação dos mecanismos de protecção.

É meu entendimento que pese embora a LPCJ, já detenha em si mecanismos úteis, mas não completos, de protecção de crianças e jovens em risco é, no entanto, parca no mecanismo primeiro que seria o de ouvir o menor – pelo menos pelo Ministério Público – imediatamente após os episódios de agressão (física, verbal ou mista) dando-se assim consagração máxima ao Princípio da Imediação. Mas não, ouve-se o progenitor queixoso e qualquer que seja a dimensão trágica e factual do relato, bastas vezes quando remetido pelo Ministério Público com parecer e promoção a um juiz de Família e Menores, mantêm-se muitas vezes a Regulação do Poder Paternal vigente ao momento da queixa, implicando isto que o menor terá, ope legis, até à conferência, de voltar a coabitar com o progenitor violentador, muitas vezes sobre enorme revolta acabando por culpabilizar pela ineficácia da protecção de que carece o progenitor queixoso, isto é o que o quis proteger de mais maus tratos.

Ora, sendo o progenitor violentador já conhecedor da intervenção do Tribunal de Família e Menores, via Ministério Público que promove medida protectiva com base em relatório da CPCJ, bastas vezes dará início a mais um fenómeno de violência psicológica assente na “formatação” da mente da criança para a “verdade” que pretende salvaguardada, descurando egoisticamente o superior interesse do menor seu filho, trocando-o pela garantia da “cristalinidade” da sua imagem social através do incutir no menor de mais um sentimento de culpa, ao mesmo tempo que lhe inculca o medo de o poder deixar de ver, o que de facto, muitas vezes, leva o menor a mudar o relato primeiro, falhando assim todo um sistema que o pretende proteger precisamente de cair novamente nas mãos do progenitor violentador.

De forma desapaixonada, mas firme e fria, a sociedade tem de caminhar no sentido da consciência colectiva de que as crianças de hoje que sofrem de maus-tratos, psicológicos e ou físicos, serão os homens e mulheres de amanhã que serão também eles pais e mães carregando consigo mais do que os reflexos da “educação” que receberam e dos maus-tratos que sofreram, a certeza de que as instâncias que os deveriam proteger falham não porque querem mas por total e absoluta inoperância em tempo real da lei, que carece de ser alterada.

Urge, assim, mea opinio, criar um mecanismo de audição imediata do menor no mais curto espaço de tempo posterior à violentação, sob pena de transmitir aos menores e jovens em risco que, apesar de a justiça funcionar com o seu tempo próprio, não funciona com o tempo do resguardo imediato protectivo de uma criança ou jovem violentado que se consumaria com o afastamento imediato do violentador até ulterior apuramento da factualidade e exercício do contraditório.