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Opinião: O Direito à Informação Administrativa – a trave-mestra da transparência na Administração Pública

Por Martim Lopes Nogueira, Advogado Estagiário da Kausa Advogados

Com a aprovação da Constituição da República Portuguesa de 1976 consagrou-se o Direito à Informação Administrativa no ordenamento jurídico nacional. Sob a epígrafe “Direitos e Garantias dos Administrados”, encontramos no artigo 268º, nº 1, da Constituição, o direito de os cidadãos serem informados pela Administração sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados e de conhecerem as decisões definitivas que sobre eles forem tomadas. A consagração deste direito, com natureza análoga aos Direitos, Liberdades e Garantias, foi uma verdadeira mudança de um corpo administrativo do Estado secreto e fechado sobre si mesmo, para uma Administração Púbica pautada pela transparência, publicidade e participação.

Em 1989, com a 2ª Revisão Constitucional, foi aditado o nº 2 ao artigo 268º, que dispõe que os cidadãos “têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”. Com esta alteração legislativa, instituiu-se no nosso quadro-legal constitucional o princípio do arquivo aberto, permitindo, assim, a qualquer cidadão o acesso aos arquivos e registos administrativos. Desta forma, consolidou-se na nossa ordem jurídica a vertente procedimental do direito à informação administrativa, previsto no nº 1 do artigo 268º da Constituição, bem como se firmou a vertente não procedimental do direito à informação administrativa, consubstanciado no princípio da administração aberta.

Paralelamente à liberdade de expressão e informação, estatuída no artigo 37º da Constituição, o direito à informação administrativa, nas suas duas vertentes, constitui uma peça fundamental no castelo de cartas que é o Estado de Direito Democrático. Neste sentido, o Legislador operacionalizou este direito ao dispor no artigo 82º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), que os “interessados têm o direito de ser informados pelo responsável pela direção do procedimento, sempre que requeiram, sobre o andamento dos procedimentos que lhes digam diretamente respeito”. As informações solicitadas deverão conter a indicação do serviço onde o procedimento se encontra, os atos e diligências praticados, as deficiências a suprir pelos interessados, as decisões adotadas e quaisquer outros elementos, conforme determina o nº 2 do artigo 82º do CPA.

Já o princípio da administração aberta, apesar de se encontrar previsto no catálogo de princípios do CPA, concretamente no artigo 17º, a vertente não procedimental do direito à informação está concretizada na Lei nº 26/2016, de 22 de agosto, que aprovou o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativo (LADA). Dispõe o artigo 2º, nº 2, da LADA, que a “informação pública relevante para garantir a transparência da atividade administrativa, designadamente a relacionada com o funcionamento e controlo da atividade pública, é divulgada ativamente, de forma periódica e atualizada, pelos respetivos órgãos e entidades”. Observa-se, desta forma, que o legislador compeliu os órgãos de soberania e demais entidades públicas a fazerem o esforço de partilharem e disponibilizarem informação relevante da atividade administrativa, de forma a garantir, assim, a transparência e publicidade no seio da Administração Pública. No entanto, não será necessário ficar a aguardar pela boa vontade e proatividade das entidades administrativas, o cidadão, ao abrigo do disposto no artigo 12º, nº 1, da LADA, poderá solicitar o acesso aos documentos administrativos mediante a mera apresentação de requerimento. Na hipótese de indeferimento ou na eventualidade de falta de resposta decorrido o prazo legal de 10 dias, poderá o requerente apresentar queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

No pior dos cenários, e em ultima ratio, encontra-se ao dispor dos particulares, nos termos do disposto nos artigos 104º e seguintes, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), a possibilidade de recorrer à intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões. Este processo, que tanto vale para a prestação de informação procedimental como para o acesso aos arquivos e registos administrativos, possui caráter urgente, pelo que é tramitado de forma célere, nos termos do disposto no artigo 107º do CPTA.

Em síntese, a transparência da atividade administrativa e participação dos particulares são elementos basilares do Estado de Direito Democrático e traços caracterizadores da Administração Pública do século XXI que se encontram alicerçados no direito à informação administrativa procedimental e no direito de acesso aos arquivos e registos administrativos. Os particulares dispõem de garantias de acesso à informação administrativa e meios de reação à falta de transparência e publicidade das entidades administrativas, que se encontram previstos em vários diplomas legais. Não obstante, a utilidade prática dos meios de acesso à informação administrativa é muitas vezes esvaziada pela parca resposta das entidades administrativas, ou pelo incumprimento dos prazos de resposta aos requerimentos apresentados pelos cidadãos, ou, então, pelo simples desconsideração dos pareceres não vinculativos emitidos pela CADA. Estas práticas, recorrentes em todos os níveis da organização administrativa, apenas diminuem ainda mais os níveis de confiança dos cidadãos em relação à Administração Pública, que em 2022 se situava nos 54,2%[1].

Por tudo isto, as entidades públicas e os restantes órgãos da Administração Pública deveriam pugnar ativamente pela transparência e publicidade da sua atividade, de forma a garantir uma efetiva participação dos cidadãos na vida pública, bem como para diminuir a necessidade de utilização de meios judiciais para a prestação de informação e, ainda, para afastar infundadas suspeitas de corrupção, pois, como diz o ditado popular, quem não deve, não teme.

[1] https://www.planapp.gov.pt/qual-a-confianca-nas-instituicoes-publicas/