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Opinião – O que tem o legislador contra os aposentados em 2023?

Pedro Rafael Alves | Kausa AdvogadosPor Pedro Rafael Alves, Advogado Associado da Kausa Advogados

Na primavera do ano passado, foi instituído, no âmbito do Programa de Estabilidade apresentado pelo XXIV Governo Constitucional, o regime da atualização intercalar das pensões, que se encontra regulado no Decreto-Lei nº 28/2023, de 28 de abril, e veio aumentar o valor das pensões regulamentares de invalidez de velhice do regime geral de segurança social e demais pensões, subsídios e complementos, atribuídos antes de janeiro de 2022 e durante este ano, por 3,57%[1], com efeitos a partir de 1 de julho de 2023.

Esta medida legislativa, que foi também estendida aos pensionistas por aposentação, reforma e sobrevivência do regime de proteção social convergente da Caixa Geral de Aposentações (CGA), foi vista como uma necessária benesse concedida aos pensionistas portugueses, que ainda se encontram a enfrentar os efeitos de um vertiginoso aumento da inflação que se tem vindo a verificar desde 2022[2].

Esta medida surge na sequência da aprovação do Orçamento de Estado para 2023[3], que, por razões de sustentabilidade financeira e como travão à espiral inflacionária que se vivia à data[4], veio limitar a atualização das pensões em 2023, fixando-a entre 3,53% e 4,43% em função do montante auferido pelos pensionistas, afastando excecionalmente a fórmula geral de atualização do valor das pensões[5], que redundaria numa atualização significativamente superior de cerca de 7% a 8%.

O regime de atualização intercalar das pensões nasce então para compensar esta limitação à atualização das pensões, procurando repor o valor normal previsto na legislação em vigor e procurando, dessa forma, atenuar a corresponde diminuição do poder de compra dos pensionistas.

Esta compensação apenas foi atribuída, porém, aos pensionistas que passaram à reforma anteriormente a 2023, deixando de fora os reformados neste ano.

Posto isto, a limitação da aplicação do mecanismo compensatório em causa levanta dúvidas quanto à sua conformidade com os princípios constitucionais da igualdade e da justiça, uma vez que é suscetível de gerar diferenças substanciais quanto às pensões de reforma dos reformados com base na data em que a aposentação é reconhecida, apesar de os funcionários públicos que passaram à aposentação em 2023 terem sido igualmente afetados pelas medidas legislativas destinadas a combater a inflação, na medida em que a atualização dos seus vencimentos foi igualmente limitada face à inflação verificada, o que tem levado à sua contestação social[6].

Esta problemática adensa-se, ainda, pelo facto de a atualização das pensões para 2024, por força da Portaria nº 424/2023, de 11 de dezembro, ter igualmente excluído os reformados em 2023, assim concretizando o princípio vertido no artigo 6º, da Lei nº 52/2007, de 31 de agosto, de que os aposentados de um dado ano só têm direito a atualização de pensão no segundo ano após esse facto.

Regra esta que foi, entretanto, alterada pelo Decreto-Lei nº 74/2024, de 21 de outubro, no sentido de passar a vigorar como princípio a atualização do valor da pensão a partir do ano imediatamente seguinte ao do início da pensão, em função da forte contestação feita à regra anterior por levar a uma perda de compra de todos os pensionistas decorrente da aceleração da inflação que se tem vivido nos últimos anos.

Parece, portanto, que os reformados em 2023 passaram ao lado de várias atualizações das suas pensões quando comparados aos aposentados nos anos anteriores ao seu e saem, ainda, prejudicados perante os aposentados nos anos posteriores, na medida em que não beneficiaram da nova regra de atualização das pensões que aproveita a estes últimos.

Nesta medida, e não descurando a bondade das soluções que têm vindo a ser adotadas, pensa-se existir a necessidade de estabelecer um novo mecanismo de compensação dos aposentados em 2023 ou uma eventual extensão do mecanismo já existente de aumento intercalar de pensões, pelo que nos encontramos a acompanhar o desenvolvimento desta temática com particular interesse.

Notas

[1] Cf. o artigo 3º do Decreto-Lei nº 28/2023, de 28 de abril, as pensões foram atualizadas nos termos seguintes:

  1. a) Em 3,57 %, as pensões que, em dezembro de 2022, tinham valor igual ou inferior a duas vezes o valor do indexante dos apoios sociais (IAS);
  2. b) Em 3,57 %, as pensões que, em dezembro de 2022, tinham valor superior a duas vezes o valor do IAS, até seis vezes o valor do IAS;
  3. c) Em 3,57 %, as pensões que, em dezembro de 2022, tinham valor superior a seis vezes o valor do IAS, até 12 vezes o valor do IAS.

[2]Veja-se, a este respeito, os dados estatísticos livremente acessíveis no sítio https://www.pordata.pt/pt/estatisticas/inflacao/taxa-de-inflacao/taxa-de-inflacao-por-bens-e-servicos-portugal.

[3] Artigo 87º da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, e artigo 2º da Portaria n.º 24-B/2023, de 9 de janeiro.

[4] Veja-se, sobre esta matéria, o preâmbulo do Decreto-Lei nº 28/2023, de 28 de abril, e o artigo do Público de 07.09.2022, acessível em https://www.publico.pt/2022/09/07/politica/noticia/costa-justifica-decisao-pensoes-sustentabilidade-seguranca-social-rejeita-corte-reformas-2019658.

[5] Esta fórmula encontra-se prevista pela Lei n.º 53-B/2006, de 29 de dezembro, para as pensões do Regime Geral da Segurança Social, e pela Lei nº 52/2007, de 31 de agosto, para as pensões do regime geral convergente atribuídas pela CGA.

[6] Veja-se, sobre este ponto, o artigo do Expresso de 13.02.2024, acessível em https://expresso.pt/economia/seguranca-social/2024-02-13-Quem-se-reformou-em-2023-nao-teve-aumento-nas-pensoes-O-Governo-criou-uma-expetativa-que-agora-falhou-94224499