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Acórdão do STA n.º 9/2025 de uniformização de jurisprudência – A relevância dos pontos do SIADAP em situação de transição de carreira/categoria

Por Raquel Alves, sócia fundadora da Kausa Advogados.

O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (AUJ) do Supremo Tribunal Administrativo (STA) n.º 9/2025, de 13 de outubro, abordou a questão fulcral sobre a relevância dos pontos de avaliação de desempenho (SIADAP) acumulados por trabalhadores em funções públicas em contextos de transição de carreira, focando-se especificamente no caso da transição da carreira geral de técnico superior para a carreira de regime especial de Técnico Superior Especialista em Estatística (TSEE) no Instituto Nacional de Estatística, I. P. (INE, IP), operada pelo Decreto-Lei (DL) n.º 187/2015.

A questão de fundo, que justificou o julgamento ampliado no STA, residia em determinar se a mudança de carreira, que implicou um reajustamento e valorização remuneratória, resultava na perda ou destruição dos pontos SIADAP acumulados pela trabalhadora entre 2004 e 2015, tornando-os irrelevantes para futuros processos de alteração de posicionamento remuneratório.

O STA uniformizou a jurisprudência, concedendo provimento ao recurso do INE, IP, e julgando a ação improcedente. O Tribunal estabeleceu que, de acordo com o previsto nos n.ºs 2 e 7 do artigo 156.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório, apenas relevam as “avaliações do seu desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontram”.

A regra estabelecida pela maioria dos Juízes Conselheiros é clara: sempre que o trabalhador muda de posição remuneratória, seja por alteração de posicionamento, por procedimento concursal, ou por mudança de carreira (como no caso dos autos, operada pelo DL n.º 187/2015), inicia-se um novo período de aferição das avaliações de desempenho. Consequentemente, os pontos acumulados nas avaliações de desempenho anteriores à transição tornam-se irrelevantes para efeitos de futura alteração de posicionamento remuneratório na nova carreira.

Esta interpretação baseia-se na ideia de que, ao integrar uma nova carreira/categoria, o trabalhador está numa nova posição, muitas vezes com funções diferentes, iniciando um novo ciclo avaliativo. O Tribunal defendeu que uma solução distinta, que permitisse a manutenção dos pontos, exigiria a existência de uma norma especial de salvaguarda.

O STA rejeitou que a legislação posterior (como o DL n.º 84-F/2022, que introduziu a solução do aproveitamento dos pontos remanescentes, e o DL n.º 110-A/2023, que incluiu uma disposição de salvaguarda para a manutenção dos pontos na carreira TSEE) se aplicasse retroativamente ao caso em análise, que se reporta a 2015. Argumentou que a criação de tais normas especiais em diplomas recentes apenas reforça que a regra geral do artigo 156.º da LTFP se aplicaria, forçando o legislador a intervir para a evitar.

Adicionalmente, o STA afastou a aplicação do princípio da boa-fé ou da tutela da confiança. Considerou que a confiança legítima só pode ser tutelada se for conforme à lei, e que as comunicações do INE, IP à trabalhadora continham advertências que sugeriam que os pontos só seriam suscetíveis de relevar dentro do mesmo nível remuneratório e nas mesmas funções, ou remetiam a solução para futuras Leis do Orçamento do Estado, não gerando uma expectativa legítima de manutenção dos pontos.

Contudo, os votos vencidos (em minoria) divergiram fortemente desta conclusão, considerando-a uma leitura excessivamente literal e descontextualizada da LTFP. Defenderam que a transição de carreira (ope legis), imposta pelo DL n.º 187/2015, não configurou uma “mera” alteração ou progressão remuneratória, mas sim um ajustamento remuneratório emergente de um novo regime legal. Sustentaram que a norma do artigo 156.º da LTFP não impõe, de forma inequívoca, a perda dos pontos, e que a interpretação adotada pela maioria ignora os princípios da continuidade funcional e da justiça material. Os juízes vencidos salientaram que a jurisprudência anterior das instâncias inferiores (TAF e TCA Sul) e até o entendimento em situações análogas (como a carreira de enfermagem) haviam concluído que a transição de carreira não implicava a perda do mérito acumulado. Para a minoria, a evolução legislativa posterior, que garante a manutenção dos pontos em reestruturações de carreira, veio precisamente confirmar e consolidar a orientação de que a perda de pontos não era a solução mais justa ou pretendida em casos de transição. Além disso, a comunicação de pontos acumulados por parte da entidade patronal à trabalhadora após a transição de 2015 deveria ser vista como um comportamento objetivo gerador de confiança, violando o princípio da boa-fé ao exigir subitamente a perda desses pontos.

Em suma, o AUJ n.º 9/2025 consolidou a interpretação mais restritiva da LTFP, reforçando que, em 2015, a ausência de uma norma expressa de salvaguarda resultou na perda dos pontos acumulados, impondo aos trabalhadores o reinício da contagem para futuras progressões na nova carreira.