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O que tem o legislador contra os reformados de 2023? Parte II

Por Pedro Rafael Alves

Advogado Associado, Kausa Advogados

Artigo originalmente publicado no jornal online Observador a 23 de julho de 2025

Os trabalhadores que passaram à aposentação em 2023 encontram-se numa injusta e difícil posição, especialmente quando comparados aos aposentados nos anos anteriores ao seu ‒ os quais beneficiaram de várias atualizações das suas pensões ‒, e na medida em que ficaram excluídos da nova regra de atualização das pensões que, ao entrar em vigor em 1 de novembro de 2024, favoreceu os trabalhadores que passaram à situação de reformado ou pensionista em 2024.

Tivemos oportunidade de nos debruçar sobre este assunto no passado[1], tendo explorado, de forma sucinta, a conformidade constitucional do regime da atualização intercalar das pensões, aprovado pelo Decreto-Lei nº 28/2023, de 28 de abril, que veio aumentar o valor das pensões regulamentares de invalidez e de velhice, com o intuito de compensar a limitação à atualização das pensões instituída pelo Orçamento de Estado para 2023[2], repondo o seu valor normal, e intensificando a diminuição do poder de compra dos pensionistas resultante da crise inflacionária vivida à data, mas que apenas abrangeu os pensionistas que passaram à reforma anteriormente a 2023, deixando de fora os reformados nesse ano, apesar de estes também terem sofrido igualmente as consequências daquela conjuntura[3].

Porém, a nova regra de atualização anual das pensões, designadamente “a partir do ano seguinte ao da sua atribuição”, que apenas veio a ser aplicada em 1 de janeiro de 2025, é uma matéria igualmente rica, que merece particular atenção. Com efeito, o Decreto-Lei nº 74/2024, de 21 de outubro, veio alterar o princípio vigente, de que as pensões só eram objeto de atualização anual a partir do 2º ano seguinte ao da sua atribuição, conforme se encontrava previsto no artigo 6º da Lei nº 52/2007, de 31 de agosto.

Contudo, as alterações desta Lei vieram estipular ‒ por via do acima referido Decreto-Lei n.º 74/2024 ‒ que esta nova regra de atualização anual de pensões seria aplicável “às pessoas que passaram à situação de reformado ou pensionista no ano de 2024”, parecendo afastar a sua aplicação aos aposentados em 2023, o que levou a que a atualização das pensões para 2024, por força da Portaria 424/2023, de 11 de dezembro, também os tenha excluído do seu âmbito.

Segundo a Senhora Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Professora Maria do Rosário Palma Ramalho, a inclusão dos aposentados em 2023 no âmbito da aplicação do Decreto-Lei nº 74/2024 terá sido efetivamente ponderada, mas ter-se-á julgado que o impacto orçamental não seria comportável.[4]

Porém, é de referir que a Segurança Social alcançou, em 2023, um excedente global de 5.482 milhões de euros[5], que tem vindo a aumentar desde então[6],[7], sendo que o custo estimado para pagar a atualização em 2024 das pensões dos aposentados de 2023, representaria apenas 1% deste excedente, cf. imagem da autoria de João Coutinho[8], que pela sua inteligibilidade se divulga[9]:

Contudo, ainda que assim fosse, a existência de entraves financeiros nunca poderia significar o sacrifício específico dos trabalhadores aposentados em 2023. Neste caso, a única solução igualitária e equitativa passaria pela repartição justa das bonificações das pensões pelos aposentados que se aposentaram nestes anos em que se verificou uma espiral inflacionária ou, quando muito, criar outro mecanismo compensatório dos aposentados neste ano de 2025, ao invés de atribuir benefícios aos aposentados em certos e determinados anos em prejuízo dos aposentados em 2023.

Foram, no entanto, avançadas novas justificações, por parte do Senhor Ministro do Estado e das Finanças, Dr. Joaquim Miranda Sarmento[10] e pela Senhora Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social na Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, de 29.10.2024, para a exclusão dos aposentados em 2023 desta nova regra, designadamente, que este sistema já vem sendo contestado há mais de 15 (quinze) anos, sem que tal signifique uma obrigação de repor tal injustiça com efeitos retroativos durante todos esses anos.

Pensa-se, porém, que esta análise não dá a devida atenção à conjuntura inflacionária vivida nos anos em questão. Sendo certo que a regra de atualização já havia sido alvo de contestação anteriormente, é preciso ter em conta que as consequências nocivas da mesma se agravaram de forma substancial com a aceleração da inflação que se verificou entre 2021 e 2024.

Não podemos deixar de apontar que a ligação entre a inflação e a alteração legal feita pelo Decreto-Lei nº 74/2024, de 21 de outubro, é clara e evidente, dado que a atualização das pensões tem como propósito evitar a perda do poder de compra que naturalmente decorre desse fenómeno, o que resulta da sua fórmula de cálculo.

Tudo isto leva a que os trabalhadores aposentados em 2023 sejam prejudicados por leis sucessivas de duvidosa conformidade com os princípios constitucionais da igualdade e da justiça, uma vez que o Decreto-Lei nº 74/2024, de 21 de outubro, vem, tal como o regime da atualização intercalar das pensões, gerar diferenças substanciais quanto aos valores das pensões dos aposentados com base na data em que a aposentação é atribuída, apesar de os cidadãos que passaram à aposentação em 2023 terem sido igualmente afetados pelas medidas legislativas destinadas a combater a inflação, na medida em que a atualização dos seus vencimentos foi igualmente escassa face à inflação verificada.

Em face desta conjuntura, têm surgido grupos inorgânicos de aposentados que se têm insurgido contra esta arbitrariedade e vindo a defender uma solução mais equitativa para os aposentados em 2023, como o Movimento de Justiça para Pensionistas e Reformados e, desde outubro passado, o Grupo Reformados 2023, que têm vindo a dar continuidade a estes propósitos.

Estes grupos, numa luta e num esforço incansável, têm vindo a contestar as normas em questão junto das várias entidades, defendendo uma interpretação corretiva das mesmas à luz dos princípios constitucionais da igualdade e da justiça e a partir da teleologia das normas, encontrando-se a aguardar pelos seus resultados, com esperança que se faça justiça.

No entanto, espera-se, com um otimismo cauteloso, que a nova constituição parlamentar venha permitir a criação de uma nova Lei, quer através de um novo diploma, quer na senda do aumento extraordinário de pensões que se encontra a ser discutido na esfera pública, destinada a salvaguardar os legítimos interesses do “pequeno” universo de aposentados em 2023, tendo a oportunidade inestimável de pacificar a questão e de acabar com o tratamento desigual e arbitrário dos mesmos, especialmente em face dos aposentados em 2022 e 2024, quando o pico da inflação abrangeu 2023, com a consequente perda de poder de compra.

[1] Opinião – O que tem o legislador contra os aposentados em 2023? – Kausa Advogados

[2] Artigo 87º da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, e artigo 2º da Portaria nº 24-B/2023, de 9 de janeiro.

[3] https://www.pordata.pt/pt/estatisticas/inflacao/taxa-de-inflacao/taxa-de-inflacao-por-bens-e-servicos-portugal.

[4] https://expresso.pt/politica/2024-10-03-ministra-da-seguranca-social-desvaloriza-analises-do-fmi-so-do-ps-e-que-tivemos-sinal-vermelho-062e90ee.

[5] https://eco.sapo.pt/2024/02/27/excedente-de-55-mil-milhoes-da-seguranca-social-e-o-maior-da-decada/.

[6]https://www.jornaldenegocios.pt/economia/financas-publicas/detalhe/mesmo-com-novas-medidas-ano-pode-terminar-com-excedente-acima-do-previsto-diz-utao

[7]https://www.sapo.pt/noticias/economia/excedente-da-seguranca-social-aumenta-para-2-_6862ad04097dc34e2054a8b8

[8] https://kreation.dec.uc.pt/active_seniors/history.html

[9] Com a autorização do Autor.

[10]https://24noticias.sapo.pt/atualidade/artigos/joaquim-miranda-sarmento-ao-sapo24estamos-a-corrigir-uma-enorme-injustica-para-os-pensionistas-mas-nao-e-possivel-ir-mais-atras.e as declarações prestadas pela.